segunda-feira, 1 de novembro de 2010

DALAI LAMA NEUROCIÊNCIA DA CONCENTRAÇÃO

Pesquisa mostra mudanças nos cérebros de monges, durante a meditação Pesquisadores usam meditação para investigar a mente

Para o neurocientista Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, a complexa tarefa mental da meditação é uma das áreas de estudo mais promissoras para a ciência na próxima década. O cientista realizou experimentos com monges budistas tibetanos usando a tecnologia conhecida como tomografia computadorizada por emissão de fóton único [ver quadro acima].

As imagens mostram um decréscimo, durante a meditação, da atividade do lobo parietal, área ligada à orientação temporal e espacial. A diminuição de fluxo sanguíneo nessa região pode ser a responsável pela sensação de 'flutuação' que às vezes ocorre na meditação. Já a parte frontal do cérebro, associada à atenção, está mais ativa durante a prática. 'Faz sentido, já que a meditação requer alto grau de concentração', avalia Newberg.

No Brasil, existe uma linha de pesquisa em meditação, ioga e outras técnicas complementares em saúde na Unidade de Medicina Comportamental do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, coordenada pelo professor José Roberto Leite. Essa linha iniciou-se com o doutorado da psicobióloga Elisa Kazasa. A partir de um encontro com o indiano Rishi Prabakar, criador da técnica de Siddha Samadhi Yoga, a pesquisadora elaborou um estudo sobre a prática meditativa e respiratória, o pranayama. 'Observou-se melhora de sintomas de ansiedade, depressão e baixo nível de atenção, dentre outros parâmetros avaliados', diz Elisa.

Além de afetar ondas, função e estrutura, a meditação pode interferir na química cerebral. Um estudo do Instituto John F. Kennedy, na Dinamarca, demonstrou que, durante a prática, o nível de dopamina no cérebro aumenta. Esse neurotransmissor é relacionado a sensações de prazer e motivação. Embora seja importante confirmar os resultados, outros trabalhos sugerem que a meditação ajuda a reduzir o estresse e melhora o sistema imunológico. Alguns planos de saúde nos Estados Unidos já oferecem descontos para os associados que a exercitam com regularidade.

'Como a ciência ainda não dispõe de instrumentos para mensurar objetivamente nosso mundo interior, as práticas meditativas, não apenas do budismo, fornecem importantes informações sobre esse aspecto de nossa natureza', diz a psicobióloga Elisa Kazasa, pesquisadora da Unifesp. 'Elas podem complementar informações obtidas por meio de instrumentos científicos, como inventários psicológicos, aparelhos de registro fisiológico e a moderna neuroimagem funcional', opina. É o que também pensa Alan Wallace, ex-monge tibetano e um dos intérpretes do Dalai Lama nos encontros do Mind and Life. Wallace compara as práticas meditativas com um telescópio destinado a 'olhar para dentro', para que possamos conhecer nossa consciência.

'Acho maravilhosa essa relação entre a ciência e o budismo, já que o próprio Buda era um cientista do interior', diz o lama Michel Rinpoche. O monge ficou conhecido há alguns anos como o 'pequeno Buda brasileiro', por ter sido identificado como a reencarnação de um lama tibetano. 'No Ocidente, ciência e religião sempre caminharam separadas. Por isso, não é de se admirar que haja uma resistência dos cientistas a aceitar o budismo', afirma a psicóloga Bel César, mãe do lama Michel e ex-presidente do Centro de Dharma da Paz. 'No entanto, o budismo não é uma religião, ou seja, um conjunto de dogmas. É uma filosofia que investiga, assim como a ciência, a natureza da mente', ressalta. A psicóloga toca em um ponto fundamental: o budismo, por suas características essenciais, também pode ser definido como filosofia de vida, no lugar de religião. Talvez venha daí sua afinidade com a ciência.

Dalai Lama
conhece o laboratório de Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin  e conversa com o cientista Steve Kosslyn, no encontro  do Instituto Mind and Life

'O conhecimento humano é setorizado para facilitar nossa compreensão', afirma a professora Lia Diskin, fundadora da Associação Palas Atena, organizadora da visita do Dalai Lama ao Brasil. 'Não se trata de juntar as duas disciplinas, mas abrir comportas para uma fecundar a outra', diz Lia sobre a relação entre o budismo e a ciência. Porém ela ressalta que a ciência não pode ser invocada para explicar o indemonstrável. 'Não se pode utilizá-la para validar a reencarnação, que faz parte de um universo desconhecido', opina.

A ampla gama de práticas e ensinamentos pertencentes ao domínio do budismo certamente vai continuar a instigar os cientistas a ampliarem seus conhecimentos e irem além do universo material já conhecido. Se depender da vontade do Dalai Lama, a recíproca continuará a ser verdadeira. 'Suponho que minha fascinação pela ciência ainda se encontra em um encantamento inocente pelas maravilhas que ela pode alcançar', escreve. Aos 70 anos, Dalai Lama continua com o mesmo espírito curioso da infância, quando estudava astronomia por conta própria e desmontava relógios para ver como as engrenagens funcionavam.

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